Dizem que um dos melhores trades do mercado é o de privatização.
Não é muito difícil imaginar as origens dessa crença. Como o Brasil é um país conhecido por não ter uma gestão das mais eficientes de suas empresas estatais, o mercado costuma assumir que a privatização pode destravar valor com uma maior eficiência operacional e até uma profissionalização da gestão em alguns casos.
A Vale foi privatizada há 27 anos e hoje é uma das maiores e mais eficientes mineradoras do mundo. A Vibra Energia, que foi privatizada como BR Distribuidora, aproveitou a capilaridade dos dias sob o guarda-chuva da Petrobrás e busca capturar os melhores ganhos em eficiência pelo Brasil. Outro exemplo é a Equatorial, que antes era a Companhia de Energia do Maranhão, conhecida pelo case de sucesso em sua gestão, onde suas ações de valorizaram mais de 550% nos últimos 10 anos.
Aliás, a Equatorial possui uma estratégia de negócios bem interessante: o turnaround. Basicamente, a empresa compra empresas de energia que estão em grandes dificuldades, arruma a casa e “traz a valorização” dos ativos para dentro. Cases assim são interessantes pois se compra um ativo bem barato (já que ele não está bom) e, a depender da capacidade da transformação da gestão, é possível surfar uma excelente valorização. E no mundo empresarial não há o paradoxo do Navio de Teseu: são trocadas as peças e dependendo do estado, é melhor que se tenha um navio novo mesmo.
Até hoje, a Equatorial focou mais no setor de energia elétrica, sobretudo nas distribuidoras. Porém, no meio de 2024, eles levaram o controle da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp. Como? A companhia foi privatizada pelo Governo do Estado.
No Almanaque de hoje, vamos te contar como essa privatização foi mais uma prova de um “bom trade” para o mercado e porque a Equatorial tem participação direta nisso. Aliás, o trade foi tão bom que eu mesmo ganhei dinheiro com isso e só precisei fazer 1 coisa que quase ninguém fez: eu olhei as letras miúdas.
Não existe almoço grátis
O assunto da privatização da Sabesp existia há um bom tempo. Mas é possível afirmar que o primeiro dia do processo foi 17/04/24, quando o conselho diretor de desestatização se reuniu com outros conselhos interessantes e estabeleceu o cronograma de privatização. Neste primeiro momento, foram medidas mais políticas, como a aprovação da Lei Municipal de São Paulo para Prestação de Serviços de Saneamento em maio.
O grande passo foi no dia 03/06/24, com o colegiado aprovando o modelo final da privatização, estabelecendo que o Governo de São Paulo reduziria sua parte na empresa de 50,3% para 18%, e que haveria um acionista de referência que ficaria com 15%, além de outros pontos.
Em termos práticos, o acionista de referência seria o novo controlador, já que esse acionista teria direito a indicar o Presidente e a Diretoria da Sabesp, além poder indicar 3 conselheiros (o Governo de SP indicaria mais 3 e os outros 3 seriam independentes).
A ideia era então realizar um follow-on em duas partes: na primeira, o acionista de referência compraria os 15%, e na segunda, o restante das ações seria ofertada ao mercado.
No fim daquele mês de junho que temos um direcionamento da história. No dia 28/06, a Equatorial foi anunciada como acionista de referência. Acontece que eles foram os únicos que fizeram alguma proposta e acabaram levando quase que “por WO”. A proposta foi de R$ 67,00 por ação, da Sabesp, o que correspondia a R$ 6,8 bilhões.
E foi aqui que a nossa história começou.
No dia, 28/06, a Sabesp fechou o pregão sendo cotada a R$ 74,97.Ou seja, a oferta da Equatorial foi 10,6% menor que o preço da ação. Isso nos deixou com uma pulga atrás da orelha. Então fomos ler as letras miúdas, ou melhor: o prospecto e o cronograma da privatização.
No prospecto, vimos algo interessante. A formação de preços da segunda etapa seria dada pelos preços ofertados pelos Investidores Profissionais. Aqui, você pode ler “institucionais”, como fundos de investimento, corretoras, alguns milionários e por aí vai. Obviamente, os fundos de investimento teriam um peso maior, pois eles movimentam bilhões de reais.
O pensamento então foi: qual preço os investidores institucionais dariam? Se fosse abaixo dos R$67 da Equatorial, o Governo de SP poderia recusar. Se fosse acima, não faria sentido nenhum. Então a probabilidade maior (e quase certa) era de que a oferta para o grande público também saísse a R$ 67. Nós sacamos isso no início de julho, sendo que o preço só seria revelado ao mercado 1 dia antes da confirmação do rateio do dia 19/07.
Agora que já sabíamos o preço, o mais importante era entender o direcional do papel. Normalmente, quando vemos uma precificação abaixo do preço de tela, o comum é o preço da ação cair até convergir com o preço da oferta. Mas o que aconteceu foi o contrário. No mês de julho, a Sabesp simplesmente não parava de subir. Fomos investigar.
Em todos os 6 primeiros meses de 2024, houveram mais saídas que entradas de capital estrangeiro na B3. Em abril, o pior mês, o saldo foi positivo em R$ 11,1 bilhões. Porém, em julho, vimos uma entrada de R$ 7,35 bilhões. Ou seja, o gringo estava voltando e tomando tudo.
Para melhorar a situação da Sabesp, o Governador de SP, Tarcísio de Freitas, havia feito vários roadshow pelo mundo apresentando a privatização da Sabesp. Aparentemente deu certo, já que cerca de 53% da demanda foram de investidores estrangeiros.
Se o preço da ação não parava de subir e já havia um preço fixado para entrar, então tínhamos uma clara possibilidade de arbitragem em mãos. Era uma oportunidade “dada”, daquelas que só ocorrem a cada 80 anos igual ao cometa Halley.
Então valeria a pena alavancar, certo? Certo!
Funcionou da seguinte forma. Para as pessoas físicas, foi limitado um pedido de reserva de até R$ 1 milhão por CPF. Como havia um valor limitado de ações a serem ofertadas, a empresa iria coletar todas as reservas e depois realizar um rateio.
Nas corretoras, foi possível solicitar a reserva máxima mediante a uma garantia de 5%. Ou seja, você poderia reservar (e operar com) R$ 1 milhão depositando R$ 50 mil. Isso em um negócio que já tinha um preço garantido. Para você, caro leitor, ter ideia, eu vi um estagiário pedir dinheiro emprestado para 3 parentes diferentes para completar os R$ 50 mil.
Obviamente, solicitamos o máximo dando apenas a garantia mínima. Mas era óbvio que não fomos apenas nós que percebemos isso. A demanda total do mercado chegou a R$ 187 bilhões, recorde para uma oferta pública no Brasil.
Mas, na maioria dos casos, os outros investidores fizeram a mesma coisa que nós, já esperando um rateio, que foi de 18,7%. Ou seja, quem depositou R$ 50 mil pedindo R$ 1 milhão, na verdade levou R$ 187 mil de Sabesp, a R$ 67, no follow-on. No dia da confirmação da compra, o papel fechou o pregão a R$ 84,90, um ganho de 26% nesta arbitragem.
Para dar um pouco mais de emoção, na manhã do dia 19/07, foi o dia da queda da CrowdStrike, que derrubou os sistemas de informação pelo mundo inteiro. E sim, boa parte das corretoras usava algum sistema que usava os serviços da CrowdStrike. Foi um dia um tanto emocionante, mas que deu tudo certo no final.
Hoje, a Sabesp está sendo negociada acima dos R$ 90. Assim, quem segurou desde o follow-on, já está verificando uma valorização interessante. Infelizmente, não foi o meu caso, pois se alavancar demais e por muito tempo é um risco complicado (sempre guarde isso).
Poderia ter utilizado uma estrutura de opções para reduzir este risco e até ganhar mais? Na verdade, até fizemos isso! Mas isso é assunto para outro almanaque.
Abraços e bons negócios.