Existem dois pontos que são fundamentais para uma empresa: alocação de capital e geração de caixa. Resumindo: como ela faz e como ela gasta o dinheiro para fazer mais.
Nos EUA, de onde vêm a maioria da literatura sobre investimentos, pouco se dá destaque nos dividendos pois além de ser uma das últimas opções de alocação de capital por lá, esses proventos são tributados, o que reduz a atratividade para os investidores.
Mas no Brasil, o ritmo é outro. Existem alguns pontos cruciais que tornam o assunto ainda mais demandado, como ele ser isento de tributação para os investidores. Além do mais, um ponto primordial ao falar de dividendos é que existe uma lei que obriga as empresas a pagarem uma parcela mínima de dividendo sobre o lucro. E são as próprias empresas que definem o quanto vão pagar.
No Almanaque de hoje, vamos analisar quais são as maiores pagadoras de dividendos a partir do que ela mesmo se dispôs a pagar em seu próprio estatuto. Fizemos um levantamento inédito com as mais de 80 empresas do Ibovespa e encontramos as maiores e menores pagadoras… de acordo com elas mesmas.
Alocação e Emoção
Existem dois pontos que são fundamentais para uma empresa: alocação de capital e geração de caixa. Resumindo: como ela faz e como ela gasta o dinheiro para fazer mais.
Nos EUA, de onde vêm a maioria da literatura sobre investimentos, pouco se dá destaque nos dividendos pois além de ser uma das últimas opções de alocação de capital por lá, esses proventos são tributados, o que reduz a atratividade para os investidores.
Mas no Brasil, o ritmo é outro. Existem alguns pontos cruciais que tornam o assunto ainda mais demandado, tais como:
- Os dividendos são isentos de imposto no Brasil, se tornando uma forma simples e rentável de remunerar os acionistas;
- O assunto também passou a ser muito demandado pelos investidores de todos os níveis. Tudo isso devido ao boom de criadores de conteúdo que constantemente usam o tópico como forma para atrair investidores para seus cursos;
Além do mais, um ponto primordial ao falar de dividendos é que existe uma lei que obriga as empresas a pagarem uma parcela mínima de dividendo sobre o lucro, o que se torna um grande diferencial ao investir em uma empresa geradora de caixa.
A lei 6.404/76, a famosa “Lei das SA”, surgiu para modernizar e disciplinar o ambiente corporativo brasileiro definindo o que é uma Sociedade por Ação (SA). No artigo 202 desta lei, temos as regras do dividendo mínimo obrigatório (DMO):
Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas:
I – metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores: a) importância destinada à constituição da reserva legal (art. 193); e b) importância destinada à formação da reserva para contingências (art. 195) e reversão da mesma reserva formada em exercícios anteriores; […]
§ 1º O estatuto poderá estabelecer o dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo, desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria.
§ 2o Quando o estatuto for omisso e a assembléia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado nos termos do inciso I deste artigo.
No início, tornou-se uma convenção dizer que o dividendo mínimo obrigatório no Brasil é de 25% do lucro líquido ajustado. Isso surgiu com a própria Lei, já que nas primeiras versões, o DMO (Dividendo Mínimo Obrigatório) seria de 50% caso o estatuto fosse omisso e poderia ser reduzido para até 25% convocando uma assembleia geral.
Porém, hoje o DMO é definido pela própria companhia em seu estatuto. Ponto.
Por conta disso, não só é possível prever o quanto de dividendos a empresa pode distribuir, mas também entender o seu momento de vida e estratégias. Aqui voltamos ao tema da alocação de capital.
De acordo com o livro “The Outsiders” de William Thorndike (um dos meu favoritos), existem 5 possibilidades de alocação de capital:
i) investir em operações existentes (ou reinvestir para o crescimento orgânico);
ii) adquirir outras empresas (investir no crescimento inorgânico);
iii) pagar dividendos (devolver o dinheiro aos acionistas);
iv) antecipar dívidas (pagar o dinheiro aos credores);
v) recomprar ações;
Agora imagina que você é o dono de uma marca de móveis de escritório e teve um lucro de R$1000. Após criar as reservas que você precisa, agora você vai ter que escolher uma das opções. Se o seu negócio é jovem, naturalmente você vai reinvestir mais, pois ainda precisa dar “casca” para o empreendimento.
Quando a estratégia da empresa é ser uma “pagadora de dividendos”, geralmente ela é uma empresa na metade final do ciclo de vida corporativo. Ou seja, tende a ser uma empresa madura.
Por outro lado, quando a empresa paga poucos dividendos, é sinal que ela está optando por alguma das outras 4 opções de alocação de capital: 2 delas se refere a crescimento (a i e ii), uma é sobre uma empresa endividada (iv) e outra raramente é uma alocação principal já que é uma forma de operar as ações (v).
Obviamente, existem exceções a estas regras.
Empresas estatais são mais maduras, mas distribuem dividendos como forma de remunerar o principal acionista (o governo), algo que também podemos ver em empresas familiares. Já vi casos até de uma empresa que pagava dividendos pois todas as principais do setor pagavam e isso atraia uma base de acionistas.
Seja como for, tudo estará no estatuto. Daí surge a pergunta: quais são as empresas da Ibovespa que são as maiores pagadoras de DMO? E as menores?
Filtrar essas ações pelo payout ou pelo Dividend Yield não responde a isso, já que muitas empresas acabam distribuindo dividendos adicionais. O jeito foi pegar o estatuto de cada uma das 82 ações do Ibovespa (são 86 papéis, mas Bradesco, CPFL, Eletrobrás e Petrobrás possuem tanto ordinárias quanto preferenciais no índice) e coletar um a um.
Esses são os dados.
Ranking
A primeira questão mais notável é que dos 86 papéis, 66 estabeleceram o DMO em 25%, seguindo a “tradição” da lei das SA. Aqui estamos destacando o principal ponto do estatuto, pois existem empresas que colocam condições junto desses 25%.
Suzano (SUZB3) por exemplo, estipula o DMO a ser pago como o menor valor entre 25% do lucro líquido ou 10% da geração de caixa operacional. Klabin (KLBN11) estipula uma exigência similar.
Na parte superior, a campeã é a Petrobrás (PETR4). Seu estatuto determina que ela distribua 70% de seu lucro líquido para os acionistas. Como o governo é o maior acionista, a PETR4 acaba sendo a “vaca leiteira” com alguns bilhões indo para os cofres públicos.
Seguindo para as outras que pagam mais de 25%, das 11 companhias enquadradas, 5 são do setor elétrico. O que faz total sentido, já que são empresas reconhecidas por pagarem dividendos de forma recorrente e as possibilidades de alocação de capital são menores.
Dessas 11, a mais inesperada foi Natura (NTCO3), apesar de fazer todo sentido. Pegando o gráfico do ciclo de vida, conseguimos enxergar a Natura como uma empresa madura e bem consolidada no Brasil. Não são muitos investidores que esperam um crescimento de 15% ou 20% nas receitas da companhia todo ano. Uma que possui uma descrição similar, mas já era esperava neste rol, é a Ambev (ABEV3). Aliás, a própria Ambev estipula um DMO maior que o da Natura (40% contra 30%).
Enfim, enquadrando todas essas empresas no ciclo de vida da companhia, todas seriam enquadradas como 5: Maturidade estável. E não estamos falando de estabilidade das ações, já que Natura e Bradesco sofreram uns bocados recentemente. Mas são empresas consolidadas em seus mercados e que reconhecem isso a ponto de fugir dos “25% padrão” de DMO.
Por outro lado, as empresas na outra ponta do ranking são casos interessantes. O primeiro pensamento a se ter quando uma empresa não paga dividendos é:
- é uma empresa de growth, é claro!
Não está essencialmente errado, já que a empresa que menos paga DMO no Ibovespa é a Prio. Ela é uma companhia reconhecidamente de growth, onde busca trazer valor aos acionistas através da sua operação e crescimentos (orgânico e inorgânico). Pelo histórico recente, faz sentido que o DMO dela seja de 0,001% do lucro líquido.
Mas “subindo mais um pouco”, temos Magalu (MGLU3), Raízen (RAIZ4), Azul (AZUL4) e Carrefour/Atacadão (CRFB3). A primeira e a terceira estão com problemas sérios de endividamento e performance, então o que seria para o growth, vai para pagar as dívidas. CRFB3 vai em uma pegada similar, já que é um case de turnaround onde a estrutura da operação mudou bem nos últimos tempos.
Raízen é um caso interessante pois até podem tentar vender uma tese de growth, mas por ela ser a dona da operação dos postos Shell no Brasil (e isso responder por mais de 80% de sua receita), a companhia tem tamanho suficiente para um estágio 4, que é o Crescimento Maduro (como está na imagem anterior).
Essa informação já nos faz especular um pouco sobre os rumos da empresa. Nos releases e conferências, a empresa foca muito em falar sobre sua vertente de produção de energia sustentável e novas iniciativas tecnológicas. A tese de hidrogênio verde ou etanol de segunda geração é muito mais “sexy” que falar de postos de gasolina.
Apesar disso, vemos realmente uma empresa focada em vários projetos no sentido de energia renovável. Então entre a diretoria vender uma tese e uma mudança de direção dos negócios, a segunda parece mais provável.
Por fim
Parece que temos um padrão no Brasil para as pagadoras de DMO: são empresas consolidadas e que assumem isso. Petrobrás, Cemig, Ambev…
Por outro lado, as que assumidamente não pagam se mostram mais empresas em dificuldades do que uma tese de growth. Aliás, as ações de empresas brasileiras que podem ser enquadradas nessa categoria nem são listadas no Brasil. É o caso de Nubank, Pagseguro, Banco Inter, Stone, Vtex, Afya. Todas essas listadas na NASDAQ.
Nos parece mais que as empresas de growth preferem captar em um mercado que consegue entender sua situação de resultados e trajetórias voláteis do que em um mercado onde as principais empresas estão num mercado de commodities. Talvez o mercado doméstico tenha dificuldade em avaliar as expectativas de uma empresa de crescimento (ou pelo menos paciência).
Por fim, o DMO é muito mais uma informação para capturar o pensamento da empresa, do que uma métrica para decidir investimentos. No calor da emoção de alguns influenciadores, o investidor novato se norteia por métricas simplistas como DY para tomar a decisão de investir em uma empresa de dividendos.
Aqui a razão é fundamental: quanto mais caixa a empresa gera, mais qualidade terá seus dividendos (isso se ela for alocar o capital dessa maneira).
Abraços e bons negócios.