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Há uma virada do ciclo bovino chegando?

Quando eu estava na escola nos primeiros anos de vida, a professora passou uma frase para todos os alunos repetirem várias vezes:

“Todo ser vivo nasce, cresce, se reproduz e morre.”

Imagino que muitos já a tenham ouvido também, já que é um clássico da pedagogia. Obviamente, é possível trazer uma grande profundidade a esta frase resumida pois a vida por si só é complexa demais para caber em 4 partes.

Porém, a frase é isto: o ciclo da vida.

Nascemos, crescemos fisicamente por uns 30 anos, nos reproduzimos até uns 30/40/50 anos e morremos na casa dos 60/70/80 anos. O ciclo dura todo esse tempo graças à nossa natureza e à ciência moderna, que continuamente revoluciona a saúde humana. 

Voltando ao início da frase, é possível perceber que ela começa com “todo ser vivo”. Durante a evolução da humanidade, nós dominamos outras espécies a ponto de conseguir controlar o ciclo da sua vida. 

E por termos uma natureza onívora (“omni” e “vorus”, ou “tudo” e “comer”) nós também dominamos os animais aos quais nos alimentamos. Quando deixamos de ser uma espécie caçadora-coletora e passamos a criar nossos alimentos, nós começamos a dominar os suínos, bovinos, caprinos. Assim como a humanidade, essas espécies evoluíram com o passar dos anos, mas de forma controlada e conduzida pelo próprio homem.

Com o advento do capitalismo, essa evolução (de todas as espécies, aliás) passou a ser mais priorizada. “Ora, se o ser vivo que eu crio se desenvolve em menos tempo, é possível vendê-lo mais rapidamente”. 

Como a humanidade foi chegando nos pontos ótimos da evolução do biotipo de várias espécies (e a partir daqui falaremos apenas de animais), várias raças acabaram se tornando padrão de criação ao redor do mundo, para facilitar a venda dos derivados. Como essas mercadorias eram “padrão”, elas se tornaram commodities, como petróleo e minério de ferro. Como são mercadorias mais sensíveis que as outras, elas são chamadas de “soft commodities”.

Por serem commodities, hoje muitas delas são negociadas em bolsas pelo mundo. Assim, seu preço é acompanhado diariamente por milhares de investidores, produtores e especuladores. Os mais desavisados acham que entender o preço de uma soft commodity é apenas entender de oferta e demanda. Mas como são mercadorias que se originam da natureza, é importante voltar ao início. Ou seja, entender o ciclo da vida.

No almanaque de hoje, vamos explicar como funciona o ciclo da vida dos bovinos, que é umas das principais commodities brasileiras. Além disso, por já sabermos deste ciclo, vamos te explicar porque provavelmente os preços dessa commodity subirão no ano que vem.

Assim, congelem suas picanhas e boa leitura.

Welcome to the mato

Ao administrar um rebanho, há a presença de machos e fêmeas. Para expandir o rebanho, o produtor pode adquirir mais bezerros e novilhas, como são chamados os filhotes de machos e fêmeas. O destino desses filhotes é a engorda ou para o processo de utilizar as fêmeas para a reprodução de novos animais.

Sobre a engorda, à medida que os bezerros se desenvolvem, eles podem ser engordados na própria fazenda de origem ou ser vendidos a outros produtores, já que alguns focam apenas na cria para engorda. O prazo médio para o abate no Brasil é de 35 anos (ou 42 meses), quando o boi atinge o peso de, no mínimo, 15 arrobas.

Suponha que a quantidade de bezerros no Brasil tenha diminuído devido à baixa reprodução, já que mais fêmeas estão sendo abatidas. Com a menor oferta, o preço dos bezerros tende a subir. A maneira mais eficiente de aumentar a produção de bezerros é destinar mais fêmeas, também chamadas de matrizes, para a reprodução.

Contudo, há um ponto importante: como o rebanho é composto por machos e fêmeas, a retenção de mais fêmeas para reprodução reduz a oferta de bois (o termo é usado aqui para bovinos em geral) gordos, o que também eleva o preço da arroba. Entretanto, como os bezerros têm valor agregado, muitos pecuaristas optam por focar na criação, retendo fêmeas nas fazendas, o que, gradualmente, aumenta o rebanho, resultando na queda do preço dos bezerros devido ao aumento da oferta.

Com os preços mais baixos, a atividade de criação se torna menos vantajosa, e os pecuaristas começam a enviar mais fêmeas para o abate do que para a reprodução para tentar “salvar” as receitas totais. Isso aumenta o volume de fêmeas no rebanho de bois gordos, e com mais animais sendo enviados para os frigoríficos, o preço da arroba tende a cair.

Porém, com mais fêmeas sendo abatidas, o rebanho de bezerros diminui, o que reinicia o ciclo, que se repete periodicamente. No Brasil, esse ciclo dura cerca de 8 anos, sendo metade desse período marcado pelo aumento do abate de fêmeas, e a outra metade, pelo seu declínio. O gráfico a seguir mostra um pouco dessa dinâmica sob a ótica da disponibilidade interna (produção+importação-exportações):

Certamente, a tecnologia crescente pode reduzir esse ciclo ao longo do tempo. Além disso, é importante destacar que os ciclos envolvem o aumento e a diminuição da oferta de bois gordos. Embora o preço seja fortemente influenciado por isso, outros fatores, como clima, dólar, conjuntura econômica e custos, também desempenham um papel importante.

Finalmente, após entender este ciclo, a pergunta de 1 milhão de dólares surge: onde estamos?

Contra-filé R$ 32/kg

No último gráfico, é possível constatar 2 pontos:

  • A última mudança de tendência da média móvel foi em 2022, quando ela “enveredou para cima”. No mesmo momento
  •  ver que a média móvel da série histórica estava para baixo de 2024 para 2025. Mas a queda na disponibilidade pode ter vários motivos. Então vamos verificar a sazonalidade recente.

Em 2024, é possível verificar uma interessante redução na quantidade de fêmeas abatidas, o que sinaliza uma retenção da espécie. E como fica o preço nesses pontos? Vamos juntar os gráficos da disponibilidade e do preço, em dólar (para suavizar os efeitos inflacionários e econômicos) para entender o movimento.

É possível perceber que desde os últimos ciclos, quando a disponibilidade interna entra numa tendência de alta, os preços tendem a cair, como visto de 2014 a 2018. E a recíproca é verdadeira, pois de 2018 a 2022, os preços entraram em uma tendência de alta (e potencializada com a pandemia). 

Como as fêmeas já estão sendo retidas para a procriação, o mercado estima que a oferta de bovinos comece a cair a partir do ano que vem, juntamente com a disponibilidade de carne no mercado. 

Essa virada no preço da proteína traz implicações econômicas diretas, sendo a mais latente o aumento da inflação ao consumidor, que reduzirá a quantidade de picanha em nosso churrasco.

Outro ponto, talvez menos óbvio para os consumidores regulares, é a piora nas margens dos frigoríficos. A bolsa de valores possui 3 grandes empresas de proteína listadas: JBS (JBSS3), Marfrig (MRFG3) e Minerva (BEEF3). Essas empresas são frigoríficas, assim, elas não criam gado. Apenas se encarregam de comprar o boi gordo, processá-los nas fábricas e vender os subprodutos (como os cortes das carnes e hambúrgueres).

Com o preço da arroba aumentando, o custo de aquisição da matéria-prima dessas empresas aumentará, o que reduz as margens das empresas, que já são tradicionalmente bem apertadas. Isso reduz um pouco a lucratividade. Este é um dos motivos pelos quais  muitas delas buscam ter operações em outros países.

O caso mais emblemático é o de Minerva, que anunciou a compra dos ativos da Marfrig no Brasil em 2023, porém o CADE está finalizando a aprovação apenas no final de 2024. Ou seja, a Minerva praticamente perdeu todo o ano com preços favoráveis ao seu negócio (comprando algo que o mercado julgou caro). Por isso mesmo é possível ver as ações sendo bem penalizadas.

Por outro lado, JBS e Marfrig possuem muitas operações no exterior, principalmente nos EUA, o que as fazem aproveitar outro ciclo bovino. Aliás, dizem que o ciclo nos EUA é o oposto do nosso. Assim, quando a carne aqui começa a ficar menos disponível e, consequentemente mais cara, lá o rebanho tende a aumentar, o que deixa o barbecue mais acessível. Mas isso é assunto para outro almanaque…

Abraços e bons negócios!

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