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Há um paradoxo na liderança tecnológica?

Dizem que a história é feita por uma dúzia de pessoas enquanto o resto continua vivendo normalmente as suas vidas.

Isso pode até se aplicar para alguns eventos históricos, mas a história das nações depende dos seus povos e valores compartilhados, que etimologicamente chamamos de cultura.

Verificar isso de forma empírica é bem simples e remete a muitos estereótipos: “o americano é patriota”, “o alemão só trabalha”, “o japonês é inteligente”, “o brasileiro é malandro”. Querendo ou não, esses valores compartilhados pelas nações, que mudam constantemente, ditam seu rumo econômico e social. Uma das formas mais simples de medir isso é a produtividade das nações, que é a divisão do PIB (a soma de tudo que foi produzido no país) pelo número de horas trabalhadas.

Michael Peters, um economista da Universidade Yale, fez uma conta interessante para os EUA: enquanto a produtividade do trabalho aumentou em média 3% entre 1947 e 2005, entre 2005 e 2018 ela caiu para 1,3%. Segundo o economista, isso custou aos EUA cerca de US$11 trilhões em produção.

Como resolver isso? A cartilha tradicional da economia diz que investimentos em inovação tendem a aumentar a produtividade. Se a produtividade está crescendo menos, quer dizer que os EUA estão investindo menos?

Negativo. Na década de 1980, o investimento total em P&D dos EUA era de 2,2% do PIB. Hoje, esse número é de 3,4%, de acordo com a National Science Foundation. Se restringirmos os dados ao setor privado, os gastos privados com P&D saiu de 1,1% para 2,5% do PIB no mesmo período. E esse é um fenômeno global. 

Quem está envenenando a inovação para a produtividade?

No Almanaque de hoje, vamos discutir sobre cultura, inovação e produtividade para uma prosperidade.

Inércia Moderna

Segundo Edmund Phelps, professor da Universidade de Columbia e ganhador do Prêmio de 2006, as nações que floresceram economicamente no passado possuíam um dinamismo cultural calcado em alguns valores que ele considera “modernos”: individualismo, vitalismo e um desejo de auto expressão. 

O Individualismo (que não é o egoísmo) é o desejo de fazer o próprio destino. O Vitalismo é o sentimento de que nos sentimos vivos quando tomamos iniciativa própria e nos aventuramos no desconhecido. Por fim, a autoexpressão é a satisfação de usar nossa própria criatividade. De forma quase antagônica, os valores “antigos” são o conformismo, medo de arriscar e o foco no materialismo.

Segundo o autor, as economias inovadoras se basearam nestes valores, incentivando a imaginação e criatividade de um povo moderno. Com isso, as pessoas possuíam um ímpeto maior em se arriscar nem novas empreitadas e criar soluções, o que trouxe dinamismo. Num recorte histórico, até a segunda guerra mundial, o mundo passou por profundas inovações tecnológicas, lideradas por sociedades que compartilhavam destes valores.

Após a segunda guerra, isso se acelerou. Por conta da Guerra Fria e de movimentos que incentivaram tais valores, as economias se desenvolveram a ponto do surgimento de vários campeões globais. A taxa de inovação neste período foi bem alta para países como Estados Unidos, Reino Unido e Finlândia. Essas informações são corroboradas pelos cálculos de Raicho Bojilov no livro “Dynamism”.

Nesse período a grande inovação foi a internet, mas também vimos avanços na engenharia de produção (com o modelo Toyota), na saúde (novos remédios e vacinas), entre outras áreas. Essa inovação, levou a um disparo no aumento da produtividade e nas economias, mas o mundo passou por alguns percalços.

Se pegarmos os dados da produtividade americana, a maior economia do mundo, vemos uma história interessante:

De 1954 a 1968, a taxa de crescimento da produtividade foi de 2,88%

De 1968 a 1982, a taxa de crescimento da produtividade foi de 1,45%

De 1982 a 1996, a taxa de crescimento da produtividade foi de 1,90%

De 1996 a 2010, a taxa de crescimento da produtividade foi de 2,79%

De 2010 a 2024, a taxa de crescimento da produtividade foi de 1,22%

No geral, a taxa de crescimento médio foi de 2,05% ao ano.

Como apontado, o período pós guerra, com todo o investimento na inovação militar e na cultura do “american dream” colaborou para a melhor taxa de crescimento vista. Porém, nos anos 70 e 80, vimos as grandes crises econômicas globais, como os choques do Petróleo e a inflação americana. 

Nos anos 90 e 2000, vimos uma história contrária: a queda da União Soviética, o frenesi (e a queda) das empresas de tecnologia, o boom das commodities e a crise do subprime. Esse período parece ter sido o respiro na economia americana, movido em parte pelas inovações e outra parte pela irracionalidade e ganância dos mercados (vide subprime e bolha .com). Falando dos investimentos às inovações, neste período vimos a taxa de juros americana sair da casa dos 5% e chegar a 1% no final do período. Além disso, vimos um disparo nos investimentos em P&D por parte do governo.

E, no último e mais recente período da análise, vimos uma queda na produtividade, que atingiu o menor valor de crescimento da amostra. Aqui, além da ressaca do subprime, tivemos a consolidação da China e das grandes empresas de tecnologia, além da pandemia da Covid-19, o que mudou a configuração da forma de trabalho para muitas pessoas.

Vendo os recortes, é perceptível a queda da produtividade nos EUA, ainda mais nos últimos anos. Para piorar o quadro, o salário dos trabalhadores se manteve num platô de crescimento, enquanto os preços dos imóveis dispararam no século XXI. Com maiores incertezas mas em uma “cultura do dinheiro”, uma geração passa a ser forjada pelo materialismo e no medo de arriscar. Os mesmos valores antagônicos de culturas que floresceram economicamente.

O mesmo pode se ver no Brasil. Nossa produtividade é historicamente baixa por conta da baixa educação, mal ambiente de negócios e de investimentos em P&D ineficientes. Aliás, segundos os últimos dados, em 2020 o Brasil investiu cerca de 1,14% do PIB em P&D, nível maior que muitos países da OCDE. Mesmo assim, nossa produtividade está nos níveis de 2006, o que não é bom, mas estivemos muito pior.

Se os modelos econômicos assumiam que mais investimentos em P&D, trariam uma maior produtividade, o que está acontecendo com o mundo?

Existem algumas respostas interessantes.

A Falácia do Monopólio Criativo

Em 2014, Peter Thiel, cofundador do PayPal e um dos maiores investidores do Vale do Silício, lançou o livro “De Zero a Um”. 

Confesso que foi um dos primeiros livros “não-acadêmicos” que li no início da faculdade e fiquei bem pensativo. Na própria sinopse, o livro indica que “o progresso vem do monopólio, não da competição”.

Mas há um ponto-chave para o nosso texto. O autor diz que “os monopólios promovem o progresso porque a promessa de anos de lucros monopolistas fornece um incentivo à inovação […] depois, os monopólios podem continuar inovando porque os lucros permitem que façam planos de longo prazo e financiam projetos de pesquisa ambiciosos, com os quais empresas prisioneiras da concorrência sequer podem sonhar”.

Esse trecho parece fazer sentido. A empresa seria grande demais para ser ameaçada e poderia focar no crescimento orgânico através de suas inovações. Vemos isso com as 7 Magníficas, o grupo das maiores empresas de tecnologia dos EUA composto por: Alphabet (Google), Amazon, Apple, Meta, Microsoft, NVIDIA e Tesla. Em certos níveis, algumas delas têm algum tipo de monopólio, como ferramenta de busca online. 

E todas investem pesadamente em inovação. Segundo dados do Goldman Sachs, as 7 Magníficas reinvestem 61% de seu fluxo de caixa livre em CAPEX e P&D, o que é 3x mais que as outras 493 empresas do S&P500. Isso, enquanto elas correspondem a 29% de todo o S&P500.

Assim, temos um cenário recente nos EUA de empresas de tecnologia gigantes que investem pesado em P&D. Mesmo assim, a produtividade recente está em queda.

Uma explicação para este fenômeno foi proposta por Ufuk Akcigt, professor na Universidade de Chicago. Segundo uma pesquisa dele com o professor William Kerr, da Universidade de Harvard, as pequenas empresas são mais inovadoras em relação ao seu tamanho, o que indica que elas usam recursos de P&D de forma mais eficiente. 

Dessa forma, à medida que as empresas inovadoras crescem, elas passam a focar mais em proteger e dominar seu market share (ou monopólio, a depender) do que buscar se arriscar em inovações. Isso acaba sendo um fator para a desaceleração da produtividade, já que muitas oportunidades de inovação são desperdiçadas em prol da proteção do monopólio. 

E colaborando com isso, ainda vemos um dedo dos governos nisso. Segundo a pesquisa de Ufuk Akcigt, desde o início dos anos 1980, houve um aumento na concentração de mercado e um declínio na dinâmica empresarial. Isso coincide com a criação do crédito tributário para P&D de 1981, que acabou favorecendo mais as grandes empresas, segundo o próprio autor.

Por fim, o autor encontra outro fato interessante. Foi identificado que grandes empresas estabelecidas contratam funcionários-chave de concorrentes mais jovens, geralmente oferecendo salários mais altos. No início da década de 2000, cerca de 48% dos inventores americanos trabalhavam para grandes empresas estabelecidas. Porém, 15 anos depois, esse número havia subido para 58%. Ainda segundo o mesmo estudo, com essa mudança, esses funcionários perderam a capacidade de inovação em cerca de 6%, já que em empresas grandes, nem sempre eles terão o potencial totalmente explorado.

Olhando por cima, faz todo sentido as maiores empresas contratarem os melhores funcionários da concorrência e se movimentarem devagar (manobrar um transatlântico é mais difícil que um jet-ski). Mas essas ações acabam minando a própria inovação e sacrificam o andamento da produtividade da economia.

Não que Peter Thiel estivesse errado há 10 anos atrás. Mas creio que poucas pessoas pensaram nesses efeitos colaterais e paradoxais.

Quando chega no Brasil?

O que se pode concluir do capítulo anterior é que as inovações realmente têm o poder de aumentar a produtividade, porém elas estão acontecendo numa taxa menor do que já foi no passado por conta da dinâmica dos monopólios (e até da morte precoce da globalização).

Para adicionar um tempero no paradoxo, temos o advento da Inteligência Artificial. Segundo estudo da McKinsey Global Institute, a IA Generativa tem o potencial de mudar uma geração no assunto da produtividade. Os ganhos com essa tecnologia já estão sendo sentidos e ainda não estamos perto do seu completo potencial.

“Isso mudará o paradigma dos monopólios?” Eu acho difícil. O efeito pode ser similar ao que vimos na década de 90 e início de 2000, com o boom da internet e novos sistemas operacionais. Pode ser que seja um novo normal.

“E será que pode mudar o paradigma no Brasil?” Eu também acho difícil. Nosso problema começa na cultura, como citamos no início do texto. Infelizmente, a cultura brasileira se enraizou naqueles valores “antigos” mencionados, o que nos afasta do florescimento cultural e econômico.

Para além disso, nossos problemas até são parecidos com os dos EUA citados: P&D ineficiente, aumento no valor das casas e perda do poder de compra, melhores funcionários indo trabalhar para as melhores empresas, incentivos fiscais desproporcionais. A grande diferença é que somos um país subdesenvolvido. Nunca estivemos na melhor forma para perceber uma piora. 

Na verdade, como disse Juan Pablo Spinetto, em um artigo para a Bloomberg, a situação econômica do Brasil está ruim, mas sempre esteve (e agora até que não é das piores).

A grande mudança de paradigma do Brasil vai levar muito tempo e terá que vir de baixo para cima, pois na terra do contrário, as raízes estão no topo e os frutos não se desenvolvem no chão com pouca sombra.

Abraços e bons negócios

OBS: A newsletter de hoje foi baseada na edição de setembro de 2024 da Revista FINANCE & DEVELOPMENT, do FMI. O link para acesso é: https://www.imf.org/en/Publications/fandd

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